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Pesquisa da UFPB evidencia práticas do colonialismo científico entre Norte e Sul Global em estudos na área da biodiversidade

Uma pesquisa de cientistas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) revelou como fatores geopolíticos influenciam a produção científica global, sobretudo em pesquisas sobre biodiversidade realizadas na parte Sul do globo terrestre. A pesquisa aponta a prática do chamado “colonialismo científico” ou “ciência de paraquedas”, em que cientistas de países desenvolvidos, especificamente do Norte do globo, conduzem estudos em regiões economicamente vulneráveis sem incluir ou valorizar de forma adequada os pesquisadores locais.
Para essas conclusões, os pesquisadores observaram como o colonialismo científico promove a marginalização de pesquisadores do Sul Global, a partir do levantamento de novas espécies de moluscos terrestres (espécies de caracóis, caramujos e lesmas) como objeto de pesquisa. O estudo entitulado Geopolitical impacts on the description of new terrestrial mollusc species, analisou 20 anos de publicações, com mais de 3 mil descrições de espécies, com foco em caracterizar práticas de colonialismo científico e suas consequências para a documentação da biodiversidade no Sul Global.
Chamou a atenção dos pesquisadores a falta de reciprocidade nas pesquisas em biodiversidade com o Sul Global. “Pesquisadores do Sul Global frequentemente envolvem cientistas do Norte Global em seus projetos/pesquisas, mas o oposto raramente acontece. Pesquisadores do Norte Global envolvem o Sul Global em menos de 10% dos trabalhos que realizam”, explicou o professor Mário Moura, orientador da pesquisa de mestrado e professor do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade (PPGBiodiversidade), do Centro de Ciências Agrárias (CCA), e do Departamento de Sistemática e Ecologia (DSE/CCEN).
O trabalho é assinado por Evandro Abreu, egresso do PPGBiodiversidade, por Mário Moura, e por Edson Silva (pesquisador externo). A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e foi desenvolvida entre setembro de 2022 e agosto de 2024.
A equipe analisou descrições de espécies de moluscos terrestres publicadas ao redor do mundo, extraindo dados sobre a afiliação institucional dos autores, a localização geográfica das espécies e o uso de ferramentas tecnológicas, como biologia molecular, análises anatômicas e revisões taxonômicas.
Os resultados revelam uma forte dependência estrutural: 88,6% das descobertas em países do Sul Global são realizadas em parcerias “paraquedistas”, com participação local limitada (apenas 33,3% das descrições incluem cientistas locais). Enquanto a maioria das pesquisas conduzidas no Sul envolve colaborações com instituições do Norte Global, o inverso é raro — apenas 8% dos estudos do Norte incluem pesquisadores do Sul. Além disso, revisões taxonômicas, consideradas fundamentais para a sistemática biológica, são majoritariamente lideradas por pesquisadores do Norte (89%).
Mário Moura explica que essa marginalização ganha ênfase ao se observar que o Sul Global concentra a maior biodiversidade, correspondendo a 60% da cobertura terrestre, abrigando mais de 90% das espécies de molusco já catalogadas, e sendo território com lacunas de documentação de novas espécies.
Para os pesquisadores, essas desigualdades afetam a autoria principal dos artigos, o reconhecimento de equipes de campo e a qualidade metodológica dos trabalhos, bem como o acesso dos pesquisadores do Sul Global a técnicas mais avançadas e financiamentos. Além de terem potencial de gerar erros científicos como a descrição imprecisa de espécies, devido à exclusão do conhecimento local.
O estudo aponta que colaborações mistas podem ampliar o acesso às ferramentas e metodologias, mas ainda não eliminam as disparidades. Como produto, a pesquisa gerou um banco de dados global sobre autoria e distribuição geográfica das descrições de moluscos terrestres. “O produto do artigo é um workflow, ou uma rotina de programação que pode ser replicada por outros cientistas, acadêmicos, ou programadores entusiastas, e que queiram investigar questões simulares em alguma região geográfica em particular, ou usando algum outro tipo de organismo”, explicou Mário Moura.
Esse material poderá subsidiar políticas públicas voltadas à promoção de uma ciência mais inclusiva, que valorize a capacitação e a autonomia de pesquisadores do Sul Global. “A valorização da ciência do Sul Global, e consequente melhoria da infraestrutura das instituições exploradas deve ser considerada para que países ricos (do norte Global) desempenhem pesquisas em países menos favorecidos (frequentemente do Sul Global). Atualmente, práticas neocolonialistas não favorecem a emergência de centros de pesquisa no Sul Global, cujos pesquisadores permanecem sendo subvalorizados e explorados para obtenção de resultados em prol do protagonismo do Norte Global”, afirmou Mário Moura.
O estudo defende que o fortalecimento das instituições científicas locais é essencial para romper práticas neocoloniais e permitir o protagonismo de cientistas dos países onde a biodiversidade é estudada.
A pesquisa acaba de ser publicada na revista Proceedings of the Royal Society B, periódico prestigiado na área da biologia.
Foto: Marta França
